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Dependência química e outras compulsões
Publicado em: 27 de abril de 2020

Atualizado em: 10 de agosto de 2022

Dependência química e outras compulsões

Podemos dizer que a dependência química corresponde a não sair de si mesmo, é como se a cada dia mais houvesse um isolamento, para continuar a sentir seu prazer, sem com que os outros lhe atrapalhem, por isto o isolamento é e sempre será o núcleo da doença. Um ser humano se conforta emocionalmente saindo ao encontro dos outros e voltando, em seguida, para dentro de si. 

Na dependência química, este movimento é quase totalmente para o interior, ao ponto de quase desaparecer pra sociedade, e se afastar totalmente de sua família e de todas as pessoas que os amam e podem atrapalhar seu uso de drogas. 

A dependência química existe dentro da pessoa. Quando os dependentes entram em contato com as suas compulsões, retiram-se. Sempre que os dependentes ficam preocupados ou atuam de forma compulsiva, isso força-os a afastarem-se, a isolarem-se dos outros. Quanto mais tempo a dependência química progride, menos a pessoa se sente capaz de ter relações significativas com os outros.

A dependência química faz com que a vida se torne muito solitária e isolada, o que cria no dependente uma maior necessidade de usar drogas. Quando o dependente sofre, irá à procura da dependência química. Quando o sofrimento cria uma necessidade emocional, o dependente volta-se para a dependência de modo a obter alívio, tal como qualquer outra pessoa poderá procurar alívio junto do cônjuge, do melhor amigo ou nas suas crenças espirituais. A alteração do humor dá ao dependente a ilusão de ter satisfeito uma necessidade.

Veja também o dependente químico e a troca de compulsões

Como os dependentes químicos tratam a si mesmo e aos outros

Algumas mudanças irão ocorrer pelo fato de a dependência química ser uma doença na qual a relação essencial se processa com objetos (drogas) e não com pessoas. 

Os objetos são manipulados para o próprio prazer, para tornar a vida mais fácil; contudo os dependentes transferem lentamente este estilo de relação com os objetos para a forma como se relacionam com as pessoas. Para o dependente químico praticante, as pessoas tornam-se objetos unidimensionais para serem manipulados. À medida que o tempo passa, torna-se uma segunda natureza no dependente tratar as pessoas como objetos. 

O dependente ao sexo encara as pessoas em primeiro lugar como objetos sexuais e, em segundo lugar, como pessoas. As pessoas à volta do dependente se cansam, ficam frustradas, raivosas e, finalmente, fartas de serem tratadas como objetos.  Tratar as pessoas como objetos conduz, na realidade, a uma maior distância e a um maior isolamento em relação aos outros.

Os dependentes tratam-se a si mesmo como tratam os outros. Ao tratarem-se a si mesmo como objetos, os dependentes sujeitam as suas emoções, a sua mente, o seu espírito e o seu corpo a muitos e diferentes perigos. Uma grande quantidade de dependentes vive sob uma dose de tensão altamente perigosa. Continuarem a tratar-se como objetos conduzirá muitas vezes a qualquer forma de colapso.

Os objetos são previsíveis

Através da sua relação com um objeto, os dependentes começam a confiar na mudança de humor da droga causada pela dependência química, pois é consistente e previsível. É esta a faceta sedutora da dependência. 

• Se você for dependente à droga e se drogar, é previsível que sinta uma alteração no seu humor;

• Se for dependente ao jogo e começar a jogar, é previsível que se irá dar uma mudança no seu estado de humor;

• Se for dependente à comida, é previsível que irá sentir uma alteração do seu humor quando come demasiadamente. 

O mesmo acontece com os dependentes ao sexo, ao trabalho, gastadores compulsivos e pessoas que sofram de qualquer outro tipo de dependência que irá faze-los experimentar uma mudança de humor previsível. O fato da dependência ser previsível para os dependentes torna-a digna de confiança. Uma definição para digno de confiança é “pessoa ou coisa com quem se pode contar”. Os dependentes químicos acreditam que existirá uma mudança no seu humor e essa mudança acontece. Por outro lado, nem sempre se pode contar com as pessoas. 

• Você pode sentir a necessidade de apoio emocional. Vai ao encontro do seu melhor amigo, mas descobre que ele precisa mais de apoio do que você. 

Para os dependentes, pensando desta forma incoerente, pode-se ter mais confiança nos objetos do que nas pessoas. Se você tiver crescido no seio de uma família com problemas de dependência química ou de abuso, pode ser que tenha aprendido a não confiar nas pessoas. Este fato torná-lo-á susceptível de ser atraído pela sedutora ilusão de conforto criada pela previsibilidade da mudança de humor na dependência química.

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Prioridades deslocadas

Os dependentes químicos na ativa querem ser os primeiros e exigem ser os primeiros. As suas vontades tornam-se prioritárias. Os objetos não têm nem vontades nem necessidades; sendo assim, numa relação com um objeto, o dependente ocupará sempre o primeiro lugar. 

Esta qualidade é muito atrativa para o dependente e se combina bem com o sistema de crenças criado pela lógica emocional. É preciso não esquecer que os dependentes químicos no uso ativo de drogas não confiam nas pessoas. Um dependente confia na dependência química. Confiar nas pessoas é uma ameaça para o processo compulsivo. Para o dependente químico, primeiro vem o objeto, depois as pessoas. 

Todos nós desejamos nos realizar e procuramos relações que nos satisfaçam esse desejo. A dependência química é um problema relacional; é uma relação destrutiva, mas dominada. 

• Duas pessoas estão envolvidas numa relação destrutiva. Para as pessoas à sua volta essa relação não faz sentido. No entanto, arrasta-se durante anos. 

A dependência química pode ser descrita da mesma forma, excetuando o aspecto do dependente de manter uma relação com um objeto ou acontecimento e não com uma pessoa. 

Nas suas fases iniciais, a dependência química é uma tentativa de obter satisfação emocional. Em muitos aspectos, a dependência química é um processo normal que falhou. A maior parte das amizades começam por um envolvimento emocional; a amizade tem por base a satisfação das necessidades emocionais. A dependência química é uma forma patológica de tentar alcançar essa satisfação. 

• Um dependente ao jogo não está à procura do ganho, embora seja isso que diz para si. Ele confia e depende da falsa promessa e o falso sentimento de realização produzida pela preocupação com o jogo e a previsível mudança de humor que daí decorre.

Quando se formam as relações adictivas?

Quando a dependência química e a compulsão e obsessão pela droga se desenvolvem, haverá perdas de qualquer tipo, e qualquer um de nós está susceptível a formar relações compulsivas e doentias. 

Uma perda envolve sempre sofrimento e há necessidade de substituir a relação perdida. Estudos feitos demonstram que muitas pessoas podem substituir a relação de trabalho perdida por uma relação compulsiva e doentia. As pessoas envelhecem e os amigos morrem; relações que duraram muito tempo começam a mudar; por isso, muitas pessoas de idade criam relações compulsivas com a televisão, ou com o álcool ou outras drogas. 

O que se segue é uma lista das ocasiões em que a pessoa pode estar mais susceptível à formação de uma relação doentia ou a dependência química: 

• Perda de uma pessoa amada (quanto mais a relação for próxima, mais provável se torna a mudança). 

• Perda de ideais, de sonhos. 

• Perda de amizades. 

• Novos desafios sociais ou isolamento social (por exemplo, mudança para uma nova comunidade). 

• Deixar a família. 

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A sedução na dependência química

O que torna a dependência química tão atrativa é a alteração de humor que produz. É garantido, funciona sempre. Nenhuma relação humana pode dar este tipo de garantia: É aqui que o fator confiança da dependência química faz sentido.

Os dependentes confiam em que sentirão uma mudança no seu humor se tiverem determinados comportamentos. Ao empanturrar-se, o dependente a comida pode controlar temporariamente a sua vida e a maneira como sente.  Desta forma, atuando nos sentimentos, o dependente experimenta um sentimento de controle.

Isto ajuda a neutralizar o total sentimento de impotência e de incapacidade de se governar que o dependente está sentindo em um nível mais profundo, mais pessoal. Há muitos aspectos sedutores na doença da compulsão. A dependência química, que é um processo em que se cai em promessas falsas e vazias: a promessa de alívio, a promessa de segurança emocional, a falsa sensação de realização e o falso sentimento da intimidade com o mundo. 

O jogador compulsivo não corre atrás do acontecimento em si (jogar), mas atrás daquilo que ele virá a representar emocionalmente: um símbolo de realização. Não é apenas a relação com um objeto em especial que é perigosa para os dependentes é perigoso procurar essa forma de desonestidade. 

Encontrar a realização emocional através de um objeto ou de um acontecimento é uma ilusão. É desonesto acreditar que um objeto ou um acontecimento possa trazer alguma coisa mais do que uma alteração temporária do humor. 

Uma desonestidade contínua deste tipo pode produzir uma nova relação adictiva com outro objeto. Como é sabido de todos os dependentes, os objetos podem ser facilmente substituídos, a “pedrada” atinge-se de muitas maneiras. 

• Os jogadores adictivos não procuram o ganho. Se ganhar fosse o importante, os jogadores paravam quando estivessem ganhando. O que eles buscam é a ação, a excitação, o instante e, por fim perder, pois isso fornece-lhes o pretexto para recomeçarem de novo. 

Um amigo meu tem uma placa na parede que descreve bem a sedução da dependência química. Enganar as pessoas é uma coisa grave, mas quando nos enganamos a nós próprios torna-se fatal.

Intensidade confundida com intimidade

No que dizem respeito à emoção, os dependentes químicos conseguem intensidade misturada com intimidade. Atuar nos sentimentos é uma experiência muito intensa para os dependentes porque envolve irem contra si mesmos. 

• Para os dependentes à comida, comprarem um saco de guloseimas, comer a maior parte delas e depois fazer com que sejam vomitadas – é uma experiência muito intensa;

• Para os dependentes ao sexo, fazer sexo com alguém totalmente desconhecido e que há probabilidades de serem presos é uma experiência muito intensa;

• Para os jogadores compulsivos, assistir um jogo de futebol sabendo que a equipe que escolheram vai ter que ganhar de forma a poderem pagar a prestação da casa em atraso é uma experiência muito intensa. 

Durante o processo de atuar nos sentimentos, os dependentes podem sentir-se cheios de energia, muito excitados, muito envergonhados e com muito medo seja o que for que sintam, sentem-no muito intensamente. Os dependentes sentem-se muito ligados a esse momento por causa da intensidade. 

A intensidade, no entanto, não intimidade, embora os dependentes as confundam constantemente. O dependente passa por uma experiência intensa e pensa que é um momento de intimidade. O alcoólico considera profunda e muito pessoal a relação que ele tem com os “amigos dos copos”, embora eles desapareçam quando param de beber. 

Aprendi muito sobre intensidade e intimidade com a minha sobrinha (adolescente) de quinze anos, que atravessa uma fase da sua vida em que confunde intensidade e Intimidade. Ela está completamente apaixonada por um rapaz da sua aula e está convencida de que vão se casar. Já planejou quantos filhos vão ter e quais são os nomes. Seria um exercício fútil tentar afastá-la das suas convicções emocionais.

À sua volta, todos sabem que é a intensidade que a induz em erro. O que ela sente é muito intenso, mas não muito íntimo.  A adolescência é a idade em que se aprendem as diferenças entre intensidade e intimidade. Os adolescentes fazem promessas de amizade para a vida; fazem longos planos para o futuro com os amigos, planos que se esquece com o passar do tempo. Parte da essência da intimidade tem a ver com o tempo. 

A intimidade não é apenas um momento, mas sim muitos momentos ligados uns aos outros ao longo do tempo. Os adolescentes vivem, geralmente, no momento presente. Os dependentes praticantes também vivem para o momento que passa, usando a lógica emocional.  Do ponto de vista emocional, os dependentes químicos agem como os adolescentes e, muitas vezes, são considerados como adolescentes pelo seu comportamento e atitudes.

Grande parte dos problemas com os quais os dependentes se debatem são os mesmos problemas que os adolescentes enfrentam. A diferença é que os dependentes químicos permanecem presos numa fase adolescente enquanto a sua doença for progredindo.

Doença da dependência química

Objetos e acontecimentos que provocam a dependência química  

O que existe em comum entre os objetos e os acontecimentos (comida, jogo, químicos e sexo) com as quais pessoas podem se tornar dependentes? É a sua capacidade de produzirem uma mudança do humor, positiva e agradável. É aí que reside o potencial de provocar dependência de um objeto ou acontecimento. 

Tanto o ato de lavar pratos como jogar são acontecimentos, mas, para a maior parte das pessoas, o primeiro produz uma mudança na sua disposição muito menos agradável do que o segundo. O leite e o álcool são substâncias, mas as, pessoas não se tornam dependentes do leite porque ele não tem a mesma capacidade de alterar o humor como o álcool. Portanto, a capacidade de produzir uma alteração de humor positiva e agradável é necessária para que um objeto ou acontecimento tenham um potencial de provocar dependência. 

A possibilidade de utilização de um objeto ajuda a determinar se a pessoa irá escolher essa forma de dependência. O jogo é proibido em muitos lugares; por isso, nesses locais poucas pessoas se tornarão dependentes dessa atividade. 

Quanto mais disponíveis estiverem os objetos ou os acontecimentos, maior será o número de pessoas que irão criar uma relação compulsivas com eles. A comida está largamente disponível e comer é uma atividade com a quais muitas pessoas estabelecerão uma relação de dependência química. 

Uma pessoa pode mudar a sua relação compulsiva de objeto para objeto e de acontecimentos para acontecimento. Saltar de objeto para objeto cria a ilusão de que “o problema vai ser resolvido” quando, na realidade, foi uma relação perigosa que substituiu outra. Isto dá mais tempo ao dependente. 

• Um dependente pode parar de usar speed (anfetamina) e marijuana e “limitar-se’ a beber; 

• O alcoólico em recuperação que não aceitou à sua doença da compulsão podendo desenvolver lentamente uma relação compulsão com a comida, engordando 20 ou 30 quilos e ficando emocionalmente tão isolado como quando estavam bebendo. 

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Conclusão

Os dependentes precisam se reconhecer que, em certas ocasiões, desejarão interagir com o mundo através das suas compulsões. Quando confrontados com o stress, os dependentes podem procurar um objeto em vez de procurar uma pessoa ou o seu próprio lado espiritual. 

Uma vez a doença da dependência química instalada, o dependente ativo ou o dependente em recuperação passará a ver o mundo numa perspectiva diferente. Tal como em qualquer doença grave, a dependência química é uma experiência que muda as pessoas de forma permanente. 

É por isso que é tão importante que as pessoas em recuperação participem regularmente em reuniões dos Doze Passos e outras reuniões de auto ajuda; a lógica doentia permanece bem no fundo delas e procura uma oportunidade para se reafirmar, da mesma forma ou de forma diferente. Os dependentes em recuperação continuam a ir a reuniões e a trabalhar no programa porque continuam sendo dependentes. A recuperação é a aceitação contínua da dependência química e o controle contínuo da doença da dependência seja qual for à forma sob a qual ela pode se manifestar. 

A dependência química precisa ser encarada como um processo contínuo por causa da sua natureza progressiva. Algumas pessoas oscilam durante muito tempo numa fronteira tênue entre o abuso e a dependência; todos os objetos e acontecimentos que produzem uma alteração de humor positiva e agradável podem ser objeto de uso e abuso como parte de uma dependência, a diferença esta na quantidade, periodicidade e tempo de uso e consumo da droga.

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