O Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) representa um desafio complexo para a compreensão humana, tendo existido ao longo da história, mas somente recebendo reconhecimento como um transtorno psiquiátrico em meados do século XX. Esse transtorno tece um padrão clínico único, onde a instabilidade emocional, a impulsividade, as oscilações extremas na autoimagem e nas relações interpessoais, e o intenso receio de abandono convergem para criar um espectro clínico envolvente e, por vezes, desconcertante.
À medida que exploramos as raízes do TPB, se torna evidente que sua identificação como um distúrbio psiquiátrico trouxe consigo a necessidade imediata de compreender e abordar suas complexidades, objetivo esse que tentaremos atingir ao longo do texto. Os esforços iniciais no campo da psiquiatria, muitas vezes comparados a decifrar um enigma, refletem a busca incessante por estratégias eficazes de intervenção.
Esse texto busca adentrar na profundidade do TPB, destacando não apenas as características clínicas, mas também os desafios associados ao convívio com indivíduos afetados por esse transtorno. Fazendo isso, pretende-se clarificar as variações do TPB, proporcionando uma compreensão mais profunda das experiências vividas por aqueles que lidam com esse desafio diariamente. Tentando, a partir disso, promover um conhecimento do transtorno culminando numa aceitação e promoção de suporte eficaz a indivíduos que enfrentam essa complexidade psicológica.
O QUE É BORDERLINE?
Como já introduzido, o Borderline é um transtorno de personalidade (TP), os transtornos de personalidade são condições extremamente custosas para a saúde, visto a dificuldade de manejo dos pacientes que o apresentam, causados pela instabilidade das relações interpessoais do paciente e também pela falta de capacitação dos profissionais que os atendem.
A quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM-5, define borderline como “um padrão persistente de instabilidade nas relações interpessoais, autoimagem e emoções, e acentuada impulsividade, com início no começo da vida adulta”. Pessoas com esse transtorno costumam não tolerar estar sozinhos, dessa forma fazem esforços frenéticos para evitar o abandono e geram crises, como tentativas de suicídio, levando assim os outros a resgatá-los e cuidar deles.
A taxa de incidência dessa doença é alta. A ocorrência do Borderline é de 2% na população, 10% em clínicas ambulatoriais de saúde mental e 20% entre pacientes psiquiátricos que foram internados. O transtorno acomete majoritariamente as mulheres, tendo cerca de 75% da incidência dos casos. Os sintomas comumente aparecem no final da adolescência e parecem ter pico no início da vida adulta.
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QUAIS AS CAUSAS DO TRANSTORNO BORDERLINE?
O início do desenvolvimento do transtorno Borderline não é totalmente explicitado, mas há indícios de que a história familiar, fatores sociais, mudanças estruturais e funcionais no cérebro, fatores ambientais e culturais podem influenciar o risco de uma pessoa desenvolver esse transtorno. É importante deixar claro que, embora o risco seja aumentado diante dessas condições citadas, não quer dizer que o indivíduo irá desenvolver o TPB.
Genético
Comparando com a população em geral, o Transtorno de Personalidade Borderline é mais comum em pessoas cujos parentes biológicos de primeiro grau também têm o transtorno. A hereditariedade para o TPB é estimada em 40%, embora ainda não tenha sido identificado um gene específico como causa do transtorno. Existem evidências de interações e correlações entre genes e ambiente no desenvolvimento do Borderline. Isso significa que pessoas com um genótipo mais “suscetível” têm maior risco de desenvolver o transtorno. Ou seja, parentes de primeiro grau de pessoas com este transtorno são mais propensos a ter a doença.
Ambiental
Negligência, conflitos familiares intensos, perdas de entes queridos, desemprego, interrupção de estudos, abuso físico e sexual também são fatores que podem contribuir para o desenvolvimento do TPB. No entanto, o trauma na infância surge como o principal fator ambiental associado à origem do TPB, sendo observada uma conexão entre experiências adversas na infância, a manifestação do transtorno e sua gravidade.
Os principais traumas infantis incluem abuso físico, emocional, sexual, negligência emocional e física, representando coletivamente entre 30% e 90% dos casos. Mulheres diagnosticadas com Borderline frequentemente relatam ambientes familiares na infância caracterizados por patologias significativas. Vale ressaltar que 85% dos casos diagnosticados com TPB envolvem mulheres, fenômeno este atribuído a fatores sociais, mulheres são mais propensas a serem vítimas de abuso em seus lares.
Neurológico
Além desses dois fatores já mencionados, estudos utilizando neuroimagem revelaram uma rede de regiões cerebrais disfuncionais associadas aos sintomas do TPB. observou-se alterações no hipocampo e na amígdala, esta última apresentando uma maior atividade devido à sua associação com emoções negativas como raiva, medo e tristeza, comumente encontradas em pacientes com Borderline.
O córtex pré-frontal, que é responsável pelo controle da excitação emocional, demonstra uma redução em sua função. Isso significa que os pacientes têm dificuldade em regular suas emoções. Outro aspecto importante é o eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal, responsável por regular a produção de cortisol, observando-se assim uma certa hiperatividade, ou seja, devido a uma produção elevada de cortisol, os pacientes apresentam uma resposta mais intensa ao estresse.
PRINCIPAIS SINTOMAS DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
O Borderline é caracterizado pela impulsividade constante, oscilações de humor, problemas nos relacionamentos interpessoais, falta de controle da raiva, pensamentos e ideações suicidas, entre outros. A seguir falaremos mais especificamente sobre alguns sintomas.
Instabilidade afetiva e Mudanças de humor
A tradução da palavra borderline do inglês para o português significa “limítrofe”, ou seja, aquilo que vive no limite, e é justamente essa personalidade fronteiriça que define o portador de TPB. Essas pessoas vivem no limite de suas emoções e sentimentos e sentem isso com mais intensidade que a maioria das pessoas. A emoção vem com maior agilidade, causa mais dano e tem uma duração de tempo maior. Dessa forma, essas pessoas tendem a mudar o ponto de vista que têm de outras pessoas de forma abrupta e dramática.
Frequentemente experimentam sentimentos de vazio e solidão, sendo altamente sensíveis à rejeição. Pequenos episódios de rejeição desencadeiam intensas reações emocionais. Por exemplo, uma simples viagem de negócios do parceiro pode resultar em respostas exageradas, incluindo acusações de rejeição, abandono e egoísmo.
Mal-estar, Irritabilidade ou Ansiedade
A pessoa com transtorno reage de forma mais agressiva e impulsiva, manifestando frequentes ataques de fúria, ansiedade e choro. Essas ações, decorrentes de um transtorno pouco compreendido, não apenas afetam o indivíduo com o distúrbio, mas também impactam negativamente aqueles ao seu redor, resultando em prejuízos nas relações pessoais. Os pacientes enfrentam desafios no controle da raiva, muitas vezes expressando irritação intensa de maneiras inapropriadas, como sarcasmo, amargura ou falação irritada. Essas reações podem ser direcionadas a cuidadores ou parceiros, associadas à percepção de negligência ou abandono. Outro elemento que pode ser observado nesses indivíduos é a agressividade voltada para o próprio sujeito, podendo se manifestar em automutilação, ideias e tentativas de suicídio.
Relacionamentos Instáveis e Intensos
No âmbito social, o indivíduo com o transtorno frequentemente se envolve em relações instáveis e intensas, que culminam em crises emocionais marcantes. A dinâmica dessas relações é influenciada por uma idealização intensa da pessoa envolvida, seguida por uma desvalorização significativa. A idealização surge de uma atração forte e sentimentos intensos, enquanto a desvalorização é caracterizada por emoções como ódio e repulsa, mesmo que o comportamento do parceiro permaneça inalterado.
Esse padrão de relações intensas e instáveis estende-se a familiares, amigos e entes queridos, oscilando entre extrema proximidade e amor (idealização) e extrema fúria ou ódio (desvalorização). A impulsividade é evidente na rápida alternância entre idealização e desencanto em relação aos outros, refletindo um ciclo de admiração e desilusão acelerado.
Crises de Identidade
Indivíduos com Borderline têm dificuldades em se enxergar e ver suas próprias características, sejam elas positivas ou negativas. Isso acarreta numa mudança significativa em sua autoimagem, percebida pelas mudanças drásticas de seus objetivos, opiniões, carreiras, valores, etc, pela baixa autoestima e descontrole emocional fazendo com que se auto sabote quanto estão prestes a atingir uma meta. Quando são expostos a stress excessivos podem desenvolver sintomas semelhantes à psicose. No cotidiano é comum a perda de emprego, abandono da graduação, separação, etc.
DESMISTIFICANDO A VISÃO NEGATIVA DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
O Borderline é frequentemente mal compreendido e estigmatizado, perpetuando uma visão negativa sobre aqueles que vivenciam esse desafio. É imprescindível desvincular o TPB da identidade completa da pessoa, reconhecendo-o como parte de uma experiência mais ampla marcada pela instabilidade emocional e busca por identidade estável e, assim, não reduzi-los ou defini-los a partir de sua sintomatologia (que foi abordado mais acima).
A educação e conscientização são alicerces para superar preconceitos quanto a estes, destacando que, apesar de comportamentos desafiadores, cada indivíduo com Borderline é único, com talentos e qualidades que vão além do transtorno. A empatia desempenha papel central na interação com pessoas com TPB, exigindo reconhecimento das emoções intensas e validação de suas experiências. A comunicação aberta e livre de julgamentos é essencial para construir relacionamentos saudáveis, considerando que reações emocionais intensas muitas vezes derivam de uma sensação profunda de abandono. Buscar tratamento e apoio profissional é crucial (iremos discutir melhor mais abaixo), enquanto que a inclusão de amigos e familiares contribui para a formação de uma rede de apoio sólida.
Assim, desmistificar a visão negativa do TPB é essencial para uma sociedade mais inclusiva. Adotar uma abordagem empática e educativa contribui para a jornada de recuperação, construindo relacionamentos saudáveis e ampliando a compreensão da diversidade humana.
OPÇÕES DE TERAPIA E TRATAMENTO PARA O TPB
O tratamento do transtorno de personalidade borderline é o mesmo para todos os transtornos de personalidade: através de psicoterapia e fármacos. Dessa forma, identificar e tratar os transtornos coexistentes é importante para o tratamento eficaz do borderline.
A psicoterapia é a principal modalidade de tratamento para indivíduos diagnosticados com TPB. Nesse contexto, procedimentos psicoterapêuticos específicos desempenham um papel crucial na intervenção durante episódios de desespero e ansiedade. Terapias fundamentadas em abordagens psicológicas visam proporcionar uma compreensão mais profunda e psicodinâmica ao paciente com TPB, capacitando-o a explorar e compreender sua própria condição. Além disso, essas terapias contribuem significativamente para a gestão de conflitos emocionais e dilemas comportamentais, promovendo a busca por ações mais equilibradas diante das notáveis instabilidades, comorbidades e recorrências associadas a esse transtorno. As intervenções psicoterapêuticas são eficazes para reduzir comportamentos suicidas, melhorar a depressão e a função em pacientes com o borderline.
Os fármacos funcionam melhor quando são usados com moderação e sistematicamente para sintomas específicos. Dessa forma, os fármacos que podem ser eficazes para atenuar os sintomas do transtorno são:
- estabilizadores de humor: para depressão, ansiedade, labilidade de humor e impulsividade;
- antipsicóticos atípicos (de 2ª geração): para ansiedade, ira, sintomas cognitivos, instabilidade do humor;
- ácidos graxos ômega-3: são utilizados como suplementação dietética para funcionamento do organismo.
Por fim, é importante destacar que o prognóstico é muito melhor do que se pensava antes. Em 10 anos, pacientes chegam a 80% de remissão. Não significa que são assintomáticos, mas não preenchem mais os critérios para o transtorno”, destaca Croci. Em 20 anos, a taxa chega a 99%, segundo o psiquiatra.
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CONCLUSÃO
Em síntese, o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) se revela como um desafio multifacetado, exigindo uma compreensão holística e destituída de estigmas. Este texto buscou adentrar nas profundezas do TPB, destacando não apenas suas características clínicas, mas também os desafios enfrentados por aqueles que convivem diariamente com esse transtorno.
Assim, ao encerrar esta exploração do TPB, é fundamental reconhecer não apenas os desafios, mas também a esperança e as oportunidades de crescimento pessoal que podem surgir dessa jornada. A difusão de informações acerca da doença é essencial, a fim de propiciar um maior número de diagnósticos e, assim, com o diagnóstico e correto tratamento multiprofissional, melhorar o convívio em sociedade do portador. Esses “passos” promovem a compreensão, aceitação e suporte eficaz, assim podemos contribuir para uma abordagem mais compassiva em relação ao Transtorno de Personalidade Borderline e, consequentemente, para uma sociedade mais acolhedora e inclusiva.
O Grupo Recanto possui intervenções voltadas para a dependência química e saúde mental, com uma equipe multidisciplinar especializada e com uma estrutura adequada para atender pacientes com diferentes quadros psiquiátricos. Nós desenvolvemos uma abordagem humanizada e individualizada, que busca compreender cada paciente em suas especificidades, sem julgamentos ou preconceitos.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.