Atualmente, o Transtorno Psicótico Compartilhado, também conhecido como Folie à Deux, é um fenômeno psiquiátrico raro, onde duas ou mais pessoas compartilham as mesmas crenças delirantes ou experiências alucinatórias, geralmente em um contexto de relações íntimas e isoladas do mundo exterior.
Este transtorno desafia a compreensão tradicional da psicose, que é tipicamente vista como uma experiência profundamente individual e subjetiva. Isso lançando luz sobre o poder das relações humanas e do ambiente social na formação da percepção da realidade.
Nesse sentido, a condição foi primeiramente descrita no século 19, mas continua a ser objeto de fascínio e estudo devido à sua natureza complexa e às questões que levanta sobre a influência social na psicopatologia.
O Transtorno Psicótico Compartilhado pode ocorrer em diversos contextos, incluindo famílias, casais ou grupos fechados, onde o “indutor” ou “caso primário” tem uma psicose genuína e, através de mecanismos ainda não totalmente compreendidos, transmite suas crenças delirantes ao(s) “receptor(es)” ou “caso(s) secundário(s)”, que aceitam essas crenças como verdadeiras.
A dinâmica do transtorno sugere uma complexa interação de fatores psicológicos, sociais e ambientais, incluindo isolamento social, dependência emocional, identificação com o indivíduo induzidor e, possivelmente, vulnerabilidades psicológicas preexistentes no receptor.
Causas e Mecanismos

As causas do Transtorno Psicótico Compartilhado ainda não é compreendida, mas vários fatores foram propostos para contribuir para o seu desenvolvimento:
- Isolamento Social: O isolamento prolongado de um ambiente social mais amplo é frequentemente observado em casos de Transtorno Psicótico Compartilhado. Esse isolamento pode criar um terreno fértil para a formação e reforço de crenças delirantes, longe da influência moderadora de perspectivas externas.
- Dependência Emocional: Uma forte dependência emocional entre os indivíduos envolvidos pode facilitar a adoção de crenças delirantes. Em muitos casos, o “receptor” do delírio tem uma relação de dependência com o “indutor”, que pode ser baseada em necessidades emocionais, psicológicas ou físicas.
- Identificação e Vínculo: A identificação intensa com o outro indivíduo pode levar o receptor a adotar as crenças delirantes do indutor como uma forma de manter a conexão e a harmonia no relacionamento.
- Vulnerabilidades Preexistentes: Vulnerabilidades psicológicas ou psiquiátricas preexistentes nos receptores podem torná-los mais suscetíveis à influência do indutor. Tais vulnerabilidades podem incluir traços de personalidade, experiências de vida anteriores ou transtornos mentais não diagnosticados.
Mecanismos Psicológicos e Sociais
A transmissão de crenças delirantes no Transtorno Psicótico Compartilhado envolve complexos mecanismos psicológicos e sociais:
- Comunicação e Influência: A comunicação constante e intensa sobre as crenças delirantes pode reforçar e solidificar essas crenças entre os indivíduos. O indutor, muitas vezes mais dominante na relação, pode influenciar o receptor através de persuasão, insistência ou até mesmo manipulação.
- Isolamento: O isolamento do mundo exterior pode criar uma câmara de eco, onde as crenças delirantes são repetidas e amplificadas sem questionamento ou contraponto, facilitando a sua aceitação.
- Dinâmica de Poder: A dinâmica de poder dentro da relação pode desempenhar um papel crucial. O receptor pode perceber o indutor como uma autoridade ou fonte de conhecimento, tornando-se mais propenso a aceitar as crenças delirantes sem questionar.
- Mecanismos de Defesa: Mecanismos de defesa psicológica, como a identificação e a formação reativa, podem levar o receptor a adotar crenças delirantes como uma forma de lidar com o estresse ou a ansiedade dentro do relacionamento.
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Características Clínicas
Sintomas principais
- Delírios Compartilhados: O sintoma central do Transtorno Psicótico Compartilhado é a presença de delírios que são compartilhados entre os indivíduos envolvidos. O “indutor” ou “caso primário” é geralmente a pessoa que inicialmente desenvolve os delírios, enquanto o “receptor” ou “caso secundário” adota essas crenças delirantes como suas.
- Isolamento Social: Os indivíduos afetados frequentemente vivem em um ambiente isolado, com pouca interação com o mundo exterior. Nesse contexto, o isolamento reforça as crenças delirantes, pois reduz o contato com visões externas que poderiam questioná-las.
- Relação Próxima e Dependente: Uma relação emocionalmente intensa e dependente entre o indutor e o receptor é comum. Essa proximidade facilita a transmissão e aceitação dos delírios.
Sintomas secundários
- Comportamentos Estranhos: Os indivíduos podem exibir comportamentos estranhos ou incomuns que são consistentes com seus delírios. Por exemplo, podem tomar medidas extremas para evitar uma ameaça percebida que é parte de suas crenças delirantes.
- Alterações de Humor: Mudanças de humor, como ansiedade, depressão ou irritabilidade, podem acompanhar os delírios. Esses estados emocionais podem ser exacerbados pelo estresse de manter as crenças delirantes.
- Dificuldades Cognitivas: Além disso, a fixação nos delírios pode intensificar dificuldades cognitivas, como falhas de concentração, memória e raciocínio lógico.
Tipos de delírios mais comuns

- Delírios Persecutórios: Estes são os mais frequentes e envolvem a crença de que os indivíduos estão sendo perseguidos, espionados ou ameaçados por forças externas. Por exemplo, podem acreditar que estão sendo monitorados por agências governamentais ou que vizinhos estão conspirando contra eles.
- Delírios de Grandeza: Os indivíduos podem acreditar que possuem poderes especiais, status elevado ou uma missão grandiosa. Por exemplo, podem acreditar que são figuras religiosas importantes ou que têm uma missão divina a cumprir.
- Delírios Somáticos: Envolvem crenças falsas sobre o corpo ou a saúde. Por exemplo, podem acreditar que têm uma doença grave ou que partes do corpo estão deformadas ou infestadas por parasitas.
- Delírios de Referência: Os indivíduos podem acreditar que eventos, objetos ou pessoas têm um significado especial e pessoal para eles. Por exemplo, podem interpretar notícias de televisão ou conversas alheias como mensagens direcionadas especificamente a eles.
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Diagnóstico, desafios e abordagens terapêuticas
O diagnóstico do transtorno requer uma avaliação cuidadosa e detalhada, considerando os seguintes critérios:
- Presença de Delírios Compartilhados: Em essência, o transtorno se define pelo compartilhamento de delírios: o indutor desenvolve as crenças primeiro e o receptor passa a adotá-las posteriormente.
- Ausência de Psicose Independente no Receptor: O receptor não apresenta sinais de psicose independente do contato com o indutor. Em geral, os delírios diminuem ou desaparecem quando o receptor se afasta do indutor.
Desafios no diagnóstico
- Diferenciação de Outros Transtornos Psicóticos: Diferenciar o Transtorno Psicótico Compartilhado de outros transtornos psicóticos, como esquizofrenia ou transtorno delirante, pode ser difícil. É crucial determinar se os delírios do receptor são independentes ou resultam da influência do indutor.
- Avaliação da Dinâmica Relacional: Nesse sentido, compreender a dinâmica entre indutor e receptor é essencial, embora a resistência em expor detalhes da relação dificulte esse processo.
- Isolamento e Acesso Limitado: O isolamento social dos indivíduos pode dificultar o acesso dos profissionais de saúde mental, limitando a capacidade de observação e avaliação direta.
Abordagens Terapêuticas
- Separação dos Indivíduos:Inicialmente, a separação física afasta o receptor da influência do indutor, o que costuma reduzir ou até eliminar os delírios apresentados.
- Tratamento Psiquiátrico do Indutor: O indutor, que geralmente apresenta uma psicose primária, deve receber tratamento psiquiátrico adequado, que pode incluir medicação antipsicótica e terapia individual.
- Intervenção Psicossocial: A intervenção psicossocial é crucial para ambos os indivíduos. Isso pode incluir psicoterapia para ajudar a desafiar e modificar crenças delirantes, bem como terapia de grupo ou familiar para abordar a dinâmica relacional.
- Suporte Familiar: Envolver a família no processo terapêutico é fundamental. O suporte familiar pode ajudar a criar um ambiente mais estável e fornecer uma rede de apoio emocional para os indivíduos afetados.
- Reintegração Social: Promover a reintegração social dos indivíduos é importante para reduzir o isolamento e fornecer oportunidades para interações sociais saudáveis que podem desafiar e corrigir crenças delirantes.
CONCLUSÃO
Por fim, o Transtorno Psicótico Compartilhado é uma condição psiquiátrica rara que desafia a compreensão tradicional da psicose, destacando o papel crucial das relações humanas e do ambiente social na formação de crenças delirantes.
Este fenômeno ocorre em contextos de relações íntimas e isoladas, como famílias ou casais, onde o “indutor” transmite suas crenças delirantes ao “receptor”.
Causas do transtorno
As causas do transtorno incluem isolamento social, dependência emocional, identificação intensa e vulnerabilidades psicológicas preexistentes.
A transmissão de crenças delirantes envolve mecanismos psicológicos e sociais complexos, como comunicação constante, isolamento do mundo exterior, dinâmicas de poder e mecanismos de defesa psicológica.
Clinicamente, o transtorno se manifesta por delírios compartilhados, isolamento social e uma relação intensa e dependente entre o indutor e o receptor.
Os sintomas secundários podem incluir comportamentos estranhos, alterações de humor e dificuldades cognitivas. Os tipos de delírios mais comuns incluem delírios persecutórios, de grandeza, somáticos e de referência.
Nesse sentido, o diagnóstico requer uma avaliação cuidadosa, considerando a presença de delírios compartilhados e a ausência de psicose independente no receptor. Diferenciar este transtorno de outros transtornos psicóticos pode ser desafiador, assim como compreender a dinâmica relacional entre o indutor e o receptor e superar o isolamento social dos indivíduos.
Tratamento psiquiátrico
As abordagens terapêuticas são abrangentes e adaptadas às necessidades específicas de cada caso.Inicialmente, a separação física afasta o receptor da influência direta do indutor.
O tratamento psiquiátrico do indutor, que geralmente apresenta uma psicose primária, é essencial e pode incluir medicação antipsicótica e terapia individual. A intervenção psicossocial é crucial para ambos os indivíduos, incluindo psicoterapia e terapia de grupo ou familiar.
O suporte familiar é fundamental para criar um ambiente estável e fornecer uma rede de apoio emocional. Promover a reintegração social dos indivíduos é importante para reduzir o isolamento e fornecer oportunidades para interações sociais saudáveis.
Em suma, o Transtorno Psicótico Compartilhado exige uma abordagem multidisciplinar e integrada para o diagnóstico e tratamento eficaz.
Por fim, compreender a interação entre fatores psicológicos, sociais e ambientais é crucial para desenvolver estratégias terapêuticas que promovam a recuperação e o bem-estar dos indivíduos afetados.












