A ansiedade na abstinência é um desafio comum enfrentado por muitos. Nesse texto iremos nos debruçar acerca de um tema amplamente debatido, porém frequentemente mal compreendido: a ansiedade. A ansiedade é uma sensação de inquietação, como se estivéssemos à beira de um abismo, mesmo quando estamos em situações cotidianas, como um tranquilo domingo à tarde em companhia de nossos familiares e amigos.
No entanto, a ansiedade não aparece apenas em momentos comuns do dia a dia. Ela também interfere de maneira significativa quando estamos tentando superar vícios ou dependências. Superar um vício é um desafio considerável, e a ansiedade torna esse processo ainda mais complexo e árduo, como se tivéssemos tentando escalar o Monte Everest com um fardo adicional de preocupações constantes.
Nesse ponto, você pode estar se perguntando: “Mas como a ansiedade e a dependência estão relacionadas?” Para entender isso, é importante perceber que a ansiedade e a dependência são como duas plantas daninhas (prejudiciais) no mesmo jardim. Elas se alimentam mutuamente, criando um ciclo vicioso semelhante a um pesadelo em um filme de terror.
Dessa forma, o objetivo deste texto é de fornecer orientações sobre essa relação complicada entre ansiedade e superação de vícios. Traçando um caminho acerca da ansiedade, da abstinência e de que forma ambas se encontram nesse processo.
ANSIEDADE
A ansiedade é, comumente, uma experiência humana normal e nos prepara para situações adversas do dia a dia, pode ser entendida como uma sensação de nervosismo, preocupação, desconforto, etc. É caracterizada principalmente por sentimentos, às vezes intensos, de medo e preocupação e pode se manifestar de diferentes formas e variar a intensidade de pessoa para pessoa.
Ela pode ser dividida em duas formas: a normal, que foi mencionada anteriormente, e a patológica. A ansiedade considerada como patologia é aquela que afeta diretamente no cotidiano da pessoa e, assim, ela não consegue controlá-la, causando transtornos físicos e emocionais para o sujeito.
Sintomas
Os sintomas da ansiedade podem ser físicos e mentais. No aspecto físico, é comum sentir as sensações de:
- Aperto no peito, dificuldade para respirar, batimentos cardíacos acelerados, dores de cabeça, tensão muscular, tremores e sudorese excessiva (suor);
- Preocupações, tensões ou medos exagerados (a pessoa não consegue relaxar);
- Sensação contínua que um desastre ou algo muito ruim vai acontecer;
- Preocupações exageradas com qualquer aspecto da vida pessoal (saúde, dinheiro, família, trabalho);
- Medo extremo de algum objeto ou situação em particular;
- Falta de controle sobre os pensamentos, imagens ou atitudes, que se repetem independente da vontade;
- Pavor depois de uma situação muito difícil.
Já no aspecto mental, é comum experienciar:
- Pensamentos negativos constantes – achar que tudo vai dar errado a todo momento, que não pode ou vai acontecer nada de bom em sua vida;
- Medo irracional – costuma ser ilógico e antecipado, altera a visão da realidade e pode trazer prejuízos para a vida social;
- Dificuldade para se concentrar;
- Irritabilidade – sentimentos de raiva ou frustração, muitas vezes por questões bobas e superficiais e;
- Alterações no sono.
Como acalmar
Existem diversas estratégias que podem ajudar a acalmar a ansiedade. Uma das principais formas é praticar técnicas de respiração profunda, como inspirar lenta e profundamente pelo nariz, segurar o ar por alguns segundos e expirar pela boca. Além disso, é importante encontrar atividades que proporcionem relaxamento, como ouvir música suave, tomar um banho quente ou ler um livro que você goste e que seja tranquilizador. Praticar exercícios físicos regularmente também ajuda a liberar endorfinas e reduzir os níveis de ansiedade.
Como tratar
O tratamento da ansiedade varia de caso para caso, de acordo com a gravidade do transtorno. Existem três tipos de tratamento para ela, são eles: medicamentos – estes sempre com acompanhamento e de receita médica; psicoterapia com psicólogo ou com médico psiquiatra e; a combinação dos dois tratamentos, psicoterapia e medicamentos.
Em casos mais leves, a prática de exercício, como já mencionada anteriormente, técnicas de relaxamento e mudanças no estilo de vida podem ser suficientes para controlar os sintomas. Quando a ansiedade passa a interferir significativamente na vida diária, a busca por ajuda profissional é recomendada. Psicoterapia, como a terapia cognitiva-comportamental, é um tratamento bem eficaz no tratamento da ansiedade. Além disso, em alguns casos, normalmente mais severos, o uso de medicamentos prescritos por um psiquiatra pode ser necessário para controlar os sintomas mais intensos.
É importante deixar claro que cada pessoa é única e o tratamento da ansiedade varia para cada indivíduo. Logo, é fundamental buscar ajuda especializada para uma avaliação adequada e um plano de tratamento personalizado. A ansiedade não precisa ser enfrentada sozinha, existem profissionais capacitados que estão prontos para auxiliar no processo de recuperação.
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ABSTINÊNCIA
A abstinência é um processo pelo qual uma pessoa se priva voluntariamente de algum comportamento ou substância, geralmente associado a vícios, em prol de algum objetivo, seja sair do vício de alguma droga, parar de apostar em jogos de azar, entre outros. Nesse processo, alguns sintomas são comuns: dor de cabeça, irritabilidade, alteração do sono, agressividade, entre outros. Nesta parte, abordaremos dois tipos de abstinências: a de álcool e a de nicotina, que são as mais recorrentes na sociedade.
Abstinência de Álcool
A abstinência de álcool consiste na interrupção da ingestão dessa substância por um determinado período de tempo ou por tempo indeterminado. Essa escolha pode ser motivada por diferentes razões, como a busca por uma vida mais saudável, evitar problemas de saúde, melhorar o bem-estar geral ou mesmo tratar um vício existente.
Quando alguém decide cessar o consumo de álcool, é importante estar ciente de que pode haver efeitos adversos, mas que são temporários. Esses efeitos são reflexos da adaptação do organismo à ausência da substância a qual estava acostumado. Os sintomas dessa abstinência podem incluir tremores, ansiedade, insônia, suores, náuseas, irritabilidade e depressão.
Em casos mais graves, a abstinência de álcool pode levar a um quadro conhecido como síndrome de abstinência alcoólica, nesse caso, essa abstinência advém do desenvolvimento de um vício. Este quadro pode ser perigoso e requer atenção médica imediata. Beber regularmente grandes quantidades de álcool e decidir parar de forma abrupta pode desencadear essa síndrome, que pode incluir sintomas como convulsões e delirium tremens, que envolvem confusão mental e alucinações.
Abstinência de Nicotina
A abstinência de nicotina ocorre quando alguém decide cessar o consumo de produtos contendo essa substância, como cigarros, charutos ou qualquer outro produto à base de tabaco. Ela induz a tolerância (necessidade de doses progressivamente maiores para obter o mesmo efeito) e dependência (desejo de consumi-la) por agir nas vias dopaminérgicas. Assim como a do álcool, essa escolha de cessar o uso pode ser motivada para reduzir o risco de doenças, melhorar a saúde, etc.
Ao parar de fumar, a abstinência de nicotina pode resultar em diversos efeitos colaterais temporários. Os sintomas podem variar de intensidade entre as pessoas, mas incluem irritabilidade, ansiedade, dificuldade de concentração, aumento do apetite, alteração do sono, dor de cabeça, entre outros.
COMPREENDENDO OS DESAFIOS
Após falarmos e nos debruçarmos sobre a ansiedade e a abstinência de forma separada, precisamos integrá-las e assim compreendermos os desafios desse processo. Vale salientar que, antes de mais nada e embora sejam duas condições “diferentes”, a ansiedade é um sintoma do processo de abstinência.
A abstinência é um percurso de extrema complexidade, repleto de obstáculos desafiadores. Não é acaso que muitos optam por se manter apegados às substâncias, em vez de enfrentar esse processo. Agora, considere a combinação impetuosa entre abstinência e ansiedade: a ansiedade age como uma força catalisadora (diminui a velocidade do processo) em uma situação já complexa, intensificando o sofrimento e transformando essa jornada em algo ainda mais desafiante.
Na tentativa de acalmar os nervos, muitas pessoas podem sucumbir à tentação do vício, minando todo o progresso alcançado na abstinência até aquele momento, Por isso, é importante uma “dose” de otimismo, embora os sintomas da abstinência e ansiedade no começo do percurso, lembrar que os sintomas tendem e irão diminuir com o tempo é fundamental.
A INTERFERÊNCIA DA ANSIEDADE NO PROCESSO DE ABSTINÊNCIA
Como já mencionado, a ansiedade é um sintoma do processo de abstinência, logo, sua presença e manifestação é fator significante na questão. Durante a fase de abstinência, os sintomas de ansiedade podem se manifestar de maneira bem abrupta. De súbito, o indivíduo pode se ver submerso em uma onda de inquietação, palpitações cardíacas, sudorese e pensamentos irracionais. Um ponto notável a ser considerado é que, durante a abstinência, o corpo experimenta uma redução notável em sua resistência, é como ir para uma maratona imediatamente após consumir uma refeição rápida excessiva. O organismo, que se habituou às substâncias, não está preparado para o esforço, manifestando desconforto e descontentamento, e a mente segue o mesmo padrão.
O resultado desse processo é o chamado “evento gatilho”, momento no qual, no ápice da ansiedade, a pessoa recorre a substância como uma espécie de alívio momentâneo. O consumo de substâncias nesse estágio serve apenas para mascarar os sintomas de ansiedade. A longo prazo, essa ação perpetua um ciclo vicioso, tornando a trajetória rumo à abstinência ainda mais desafiadora. Em suma, e simplificando a situação, a ansiedade durante a abstinência implica a tensão, provoca confusão e, por fim, prejudica todo o percurso
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ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO
Existem estratégias de enfrentamento que podem ajudar no processo de abstinência e na gestão de ansiedade. Algumas dessas estratégias incluem:
- Apoio emocional: Um ombro amigo para compartilhar angústias é algo imensurável. A relevância do suporte emocional é fundamental e não deve ser subestimada.
- Buscar apoio profissional: Terapeutas e especialistas em saúde mental ajudam a desenvolver estratégias para lidar com a ansiedade e o processo de abstinência. Uma abordagem eficaz é a Terapia Cognitivo – Comportamental que tem como objetivo auxiliar na identificação e modificação de pensamentos e comportamentos negativos. Contribui para desarmar o mecanismo de ansiedade antes que ele atinja proporções alarmantes e facilita o caminho em direção à abstinência.
- Estabelecer uma rotina: Criar uma rotina diária pode ajudar a reduzir a ansiedade e a proporcionar estabilidade durante o processo de abstinência.
- Praticar técnicas de relaxamento: Aprender a gerenciar a ansiedade por meio de técnicas como meditação (que será melhor abordada mais abaixo), respiração profunda e yoga pode ser benéfico para lidar com os desafios do processo de abstinência.
- Participar de grupos de apoio: Grupos de apoio podem ser úteis para compartilhar experiências, receber incentivo e aprender com os desafios dos outros.
- Medicação: Assim como no tratamento da ansiedade como uma patologia à parte, em alguns cenários é apropriado ponderar sua utilização para tratar dos sintomas de ansiedade e algumas opções não afetam o processo de abstinência.
RECURSOS COMPLEMENTARES
Além das estratégias de enfrentamento conveniente, existem também outras abordagens naturais para o gerenciamento da ansiedade, as quais discutiremos abaixo.
Em primeiro lugar, é pertinente abordar a prática de meditação e o conceito de mindfulness. Embora possa parecer simplista à primeira vista e, reconheçamos, por vezes associado a um estilo de vida alternativo, a pesquisa científica evidencia que a meditação pode desempenhar um papel notável na gestão da ansiedade. Portanto, explorar a prática mindfulness, adotar a postura completa e experimentar a entoação do mantra “Om” – os resultados podem ser realmente surpreendentes.
Outra abordagem meritória é a incorporação de atividades físicas regulares e a adoção de uma dieta balanceada. Há um ditado popular que afirma que “os exercícios são a chave universal para o bem-estar”, essa afirmação é respaldada por uma base científica sólida. Essas práticas associadas representam uma combinação eficaz para manter o equilíbrio mental.
Logo, isso nos traz que a ansiedade e seus efeitos no processo de abstinência podem ser gerenciados também por meio de abordagens complementares que transcendem as terapias convencionais.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, vimos como essas duas questões estão quase que intrinsecamente relacionadas, a ansiedade, além de um problema sério e difícil a parte, se apresenta como sintoma do processo de abstinência e isso implica diretamente no processo, podendo danificar completamente o sucesso dessa luta individual do sujeito e desencadear um eventual novo ciclo de vícios.
Por isso, buscamos apresentar, através de uma pesquisa acerca dos dois problemas separados, formas de ajudar. A busca por profissionais e locais capacitados irão sempre desempenhar um papel significativo e assertivo nessas questões e, justamente por isso, são sempre imprescindíveis. O apoio emocional e a comunicação também devem estar sempre presentes, pois são a base de toda luta.
Logo, embora difícil e complexo, o indivíduo que busca se livrar de um vício ou dependência deve buscar e desenvolver habilidades de enfrentamento saudáveis e saber que existe o apoio e caminho adequado para essa problemática.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.