Cada dia parece ser mais comum ver histórias de pessoas que se automutilam.
Para muitos, aparentemente essas pessoas têm tudo para “estar bem”.
Ora a automutilação não é seletiva, atinge todas as faixas etárias e tipos sociais!
Porém é mais comum em na adolescência e transição para fase adulta, assim como nos idosos, esse último caso se deve em maior parte à pacientes em estado terminal ou com doenças incapacitantes.
No Brasil em 2017 foram notificados 13 443 casos de autolesões entre jovens de 15 a 19 anos, já em 2018 foram 886 mortes decorrentes de automutilações, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e o DATASUS.
O que é automutilação?
A automutilação é o comportamento de infringir danos e dor a seu próprio corpo, podendo ser de maneira superficial ou não, podendo ter intenção suicida ou não.
As primeiras experiências de automutilação costumam não ter intenções suicidas e serem danos mais superficiais. Um dos principais motivos para essa ação é dar forma a uma dor emocional e psicológica, assim como tentar usar essa dor da lesão para esquecer da outra.
Os propósitos para a automutilação quase sempre vem de causas não aceitas ou não bem-vistas socialmente. Elas acontecem como cortes, contusões, arranhões, perfurações na maior parte das vezes.


Tipos de automutilação


As automutilações costumam variar de acordo com sua motivação e seu tipo de intenção, para uns pode servir a um propósito de apenas atenuar sua dor interna, já para outros pode fazer parte de um ritual de morte para si mesmo.
Diferente de outros sintomas a automutilação costuma deixar marcas visíveis e por isso é importante prestar atenção em como cada pessoa se veste e se comporta para notar possíveis mudanças.
– Automutilação com intenção suicida
A automutilação que possui uma ideação suicida costuma ser mais pontual e não tão frequente como a automutilação sem a intenção suicida, assim como as lesões são mais profundas e danosas, pois procuram a morte.
Podendo ocorrer o uso de venenos, objetos asfixiantes, colisões intencionais e objetos cortantes e perfurantes; assim é menos provável que a automutilação ocorra por um tempo prolongado.
– Automutilação sem intenção suicida
Esse tipo de automutilação tende a começar no início da adolescência e pode persistir até a vida adulta, de modo que procuram fazer em áreas que geralmente ficam encobertas pelas roupas e podem variar os tipos de lesões numa mesma sessão.
Por exemplo, em uma mesma sessão de automutilação a pessoa pode se queimar com cigarros, fazer cortes no ombro e arrancar brutalmente seus pelos corporais.
Com o tempo a pessoa passa a se tornar mais agressiva e tende a descontar mais emoções e situações ruins em si mesma, embora possa não haver pretensão de morte, a automutilação não deve ser ignorada, ela pode ser um sinal ou sintoma de um outro problema como transtornos mentais.
Quais os principais motivos que levam uma pessoa a se mutilar?
O motivo do que leva cada pessoa a automutilação é muito individual e íntimo, posso dizer que cada uma vai ter um motivo diferente ou ainda que parecido o contexto pode ser outro.
Então é impossível determinar motivos e causas para a automutilação? Não, existem situações e condições facilitadoras que possuem estatisticamente uma correlação com o ato da automutilação.
Para entender quais são e aprender mais sobre elas, siga abaixo:
– Distúrbios psiquiátricos
É comum que alguns portadores de transtornos psiquiátricos manifestem o ato da automutilação, transtornos como depressão, borderline, personalidade antissocial e dependência química estão entre os mais associados.
A automutilação na depressão frequentemente vem da forte dor emocional e do sentimento de incapacidade diante de situações cotidianas, já os borderline costumam buscar desesperadamente pelo afeto de outra pessoa e são instáveis de humor, em casos de abandono ou de descontrole podem se automutilar como tormento.
A pessoa com transtorno de personalidade antissocial pode recorrer à autolesão como forma de encontrar prazer ou aplacar sua agressividade e impulsividade.
Na questão da dependência química, a automutilação pode surgir como um dos sintomas desse transtorno a depender da droga utilizada, do tempo de uso e forma.
– Alívio e controle das emoções


É comum também que pessoas que não possuem necessariamente um diagnóstico de transtorno ou de alguma outra doença, traumas e acontecimentos marcantes emocionalmente também podem ser um fator desencadeante.
A automutilação vem como uma ferramenta de escape da realidade e da dor emocional que a pessoa possa estar sentindo, vem principalmente como forma de alívio para essa emoção.
Há ainda quem use o fenômeno da automutilação como uma tentativa de supressão e controle emocional, como por exemplo:
Se dar apertões para segurar a tristeza, enrolar e puxar o cabelo (tricotilomania) para controlar ansiedade, se cortar para controle de raiva e agressividade.
– Fatores de risco
Algumas situações e/ou condições em que a pessoa se encontra a colocam em risco, por conta disso possuem uma taxa maior de desenvolvimento de outros sintomas e doenças.
Portanto fatores de risco e comorbidades para a automutilação são: Dependência química, histórico de automutilação e suicídio na família, transtornos mentais, doenças incapacitantes, histórico de abuso sexual, físico e psicológico, bullying.
Outra questão é a automutilação por contágio, que se refere a quando um grupo de pessoas ou um indivíduo é exposto a prática de automutilação de outra pessoa e passa a praticar a automutilação.
Como identificar a automutilação?


Alguém que está passando por uma fase de automutilação demonstrará alterações comportamentais comparada a quando não estava praticando, isolamento social e passar a ter preferência por roupas compridas são bons exemplos.
As roupas compridas servem para esconder as mutilações feitas, se isola socialmente para não ser notado ou criticado, passa a se tornar mais impulsivo e agressivo, pode ter problemas alimentares e de sono, assim como ser severo consigo mesmo.
– Automutilação em crianças
A automutilação na infância tem se tornado mais comum, sendo associada a fenômenos como o bullying e a alta pressão que é colocada sobre as crianças desde cedo.
Na fase de transição da infância para a adolescência, muitas crianças procuram usar seu corpo para se expressar, a criança pode realizar também em busca do reconhecimento de sua dor, por sentir que não está sendo validada.
É uma fase cheia de transformações, que devido a chegada da puberdade se intensifica ainda mais, causando sofrimento psíquico, algumas crianças buscam na mutilação uma forma de diminuir esse sofrimento.
– Automutilação em adolescente e adultos


A fase mais comum das automutilações é sim na adolescência, podendo chegar a fase adulta se o motivo das mutilações não for resolvido ou se não for tratado adequadamente.
Em adolescentes as principais causas são as relações familiares e de amizade, assim como a descoberta do seu eu, questões como sexualidade, gênero, lugar no mundo e orientação profissional podem ser grandes fontes de angústia e estresse.
Porém como muitos adolescentes ainda estão entendendo como funciona o mundo, tentam racionalizar certas emoções e sensações, para isso realizam os cortes, queimaduras e perfurações, para justificar e compreender a dor que não é física.
Automutilação: Conheça o tratamento adequado
Ainda há uma discussão sobre se a automutilação é uma doença ou se apenas um sintoma de outras doenças e outros transtornos que ainda não foram descobertos em cada pessoa.
Um fato é que precisa de tratamento e o melhor apoio para isso é a busca por psicoterapia, para que possa ser tratado na raiz do problema, aquilo que aflige cada pessoal profundamente para que cometa esse ato.
Pode ser necessário em alguns casos também o uso de medicações, apenas no caso de outros transtornos presentes, logo controlar o transtorno também é controlar o hábito da automutilação.


Conclusão
Apesar de não ser uma prática incomum, principalmente entre os mais jovens, a questão da automutilação ainda é pouco discutida entre a população geral, mesmo sendo um sinal claro de que algo está errado.
Não só pode estar associada a transtornos mentais e dependência química como a ao risco de suicídio, logo é um importante fator tratar assim que for identificada até como forma de prevenção para os outros transtornos e doenças.
Logo, é importantíssimo ter a atenção redobrada para seus filhos, irmãos e irmãs ou amigos que estão na fase da infância e adolescência para que não iniciem também nessa prática.
Fabrício Selbman é Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento, e também é:
- Formado em marketing e pós-graduado em gestão empresarial;
- Especialista em Dependência Química pela UNIFESP. Especialização na Europa sobre o modelo de tratamento Terapia Racional Emotiva (TRE);
- Psicanalista pela Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Professor de Especialização na Associação Brasileira de Estudos Psicanalíticos do Estado de Pernambuco (ABEPE);
- Diretor do Grupo Recanto, rede de três clínicas de tratamento de dependentes químicos referência no Norte e Nordeste nesse segmento.